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domingo, novembro 12, 2006

o país tem aquilo que o país quer!

Decreto 73/73 em suspenso

A presidente da Ordem dos Arquitectos, Helena Roseta, solicitou o agendamento da votação «com urgência» do projecto de lei que revoga o Decreto 73/73. Aprovado na generalidade a 18 de Maio, o documento devia ter sido votado na especialidade nos 30 dias seguintes.

Em comunicado, Helena Roseta recorda que a votação, por unanimidade, do projecto de lei para revogação do Decreto 73/73, que permite o exercício da arquitectura a profissionais sem qualificação para tal, devia ter dado lugar à votação na especialidade.

A Assembleia da República não cumpriu o prazo de votação e o Governo também não apresentou um projecto de diploma «mais abrangente, que não envolvesse apenas a arquitectura», situação a que se tinha comprometido o secretário de estado-adjunto das Obras Públicas e Comunicações, Paulo Campos, no prazo de três meses.

Helena Roseta acrescenta que a única novidade é uma proposta de revisão apresentada pelo Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (IMOPPI), com data de Julho de 2006 mas a que «só agora a Ordem dos Arquitectos teve acesso».

«A proposta do IMOPPI (…) contraria o sentido global da iniciativa legislativa de cidadãos» apresentada na Assembleia da República, «ao admitir que ‘os projectos de edifícios correntes, sem exigências especiais, que não excedam dois pisos acima da soleira e cuja área não ultrapasse os 400 metros quadrados podem também ser elaborados por agentes técnicos de arquitectura e engenharia (…)’».

É o seguinte o teor do comunicado da presidente da Ordem dos Arquitectos:

Comunicado «A Assembleia da República e a revogação do decreto 73/73»
1. Em 18 de Maio passado, a Assembleia da República aprovou, na generalidade e
por unanimidade, um projecto de lei (1) decorrente de uma iniciativa de cidadãos dinamizada pela Ordem dos Arquitectos, que pretendia revogar o decreto 73/73, ao abrigo do qual a arquitectura pode ser feita por pessoas sem qualificação.

A lei (2) da iniciativa legislativa de cidadãos estipula que a votação na especialidade deve ocorrer no prazo máximo de 30 dias de trinta dias sobre a votação na generalidade e a votação final global no prazo máximo de 15 dias após a votação na especialidade.

O governo, por sua vez, comprometeu-se, na pessoa do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e Comunicações, Paulo Campos, a apresentar um projecto de diploma mais abrangente, que não envolvesse apenas a arquitectura, no prazo de 90 dias.

Passaram os trinta dias, passaram os quinze dias, passaram os noventa dias e não aconteceu nada. Nem a Assembleia votou, nem o governo apresentou o seu projecto. Tudo o que existe é uma proposta de trabalho de revisão do decreto 73/73, elaborada pelo IMOPPI (Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário) com data de Julho de 2006.

2. A proposta do IMOPPI, a que só agora tivemos acesso através do Secretário de Estado Paulo Campos, não cumpre no essencial os objectivos pretendidos pela iniciativa de cidadãos aprovada na generalidade pela Assembleia da República.

Contraria mesmo o seu sentido global, ao admitir que “os projectos de edifícios correntes, sem exigências especiais, que não excedam dois pisos acima da soleira e cuja área não ultrapasse os 400m2 podem também ser elaborados por agentes técnicos de arquitectura e engenharia (…)”. Ficámos perplexos. Não se tem sequer a ideia do que significa este limiar de 400m2. Para além de toda a habitação unifamiliar, este limiar deixa de fora muitos equipamentos públicos, restaurantes, estabelecimentos comerciais, supermercados, escritórios e por aí fora. A esta área correspondem valores de obra de 400 ou 500 mil euros. Vai tudo isto ser excluído da exigência de ser pensado e projectado por um arquitecto, inscrito na Ordem, sujeito às regras disciplinares e deontológicas da profissão e consciente de todas as obrigações regulamentares do bem construir? A arquitectura não é um bem de luxo, é um bem de interesse público. O Estado não pode demitir-se do dever de exigir qualidade arquitectónica no dia-a-dia de todos os cidadãos.

3. O Governo não pode alterar, contrariar ou revogar as disposições dos estatutos das associações profissionais sem uma autorização legislativa da Assembleia da República. Ora os actos próprios do arquitecto, em Portugal, só podem ser feitos por arquitectos inscritos na Ordem, de acordo com o nosso Estatuto (3). Se técnicos sem um diploma de arquitectura passassem a ter competência legal para fazer projectos de arquitectura, seria porventura inútil a existência de uma Ordem de Arquitectos.

Também seriam inúteis todos os esforços feitos pelo Estado e pelas Universidades, nas últimas décadas, no sentido de multiplicar licenciaturas em arquitectura a fim de pôr termo à carência de qualificações nesta disciplina profissional. Para que serviriam os mais de 30 cursos de arquitectura homologados pelo Estado português?

4. Mas há mais. A formação em arquitectura está regulada há mais de 20 anos pela Directiva Arquitectos (4), que Portugal subscreveu e transpôs para o direito interno em 1990. Ao abrigo desta Directiva e da Directiva Profissões (5) o ensino da arquitectura exige uma formação superior longa (5 anos). Isto mesmo foi salvaguardado pelo decreto-lei (6) que transpôs para a nossa ordem jurídica o sistema de Bolonha e que estabeleceu, para a obtenção do diploma de arquitectura, um “mestrado integrado” (5 anos). Para que servirão 5 anos de estudos superiores se com o equivalente ao 12º ano, ou com uma curta especialização tecnológica, se podem praticar os mesmos actos? É isto qualificar os recursos humanos, grande prioridade nacional todos os dias reafirmada pelo governo?

5. A Constituição da República comete ao Estado e às autarquias (7) a responsabilidade de promover “a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas”. O próprio Estado português tomou, em 2001, a iniciativa de propor em Conselho Europeu a aprovação de uma Resolução (8) relativa à qualidade arquitectónica em meio urbano e rural, que recorda ser a criação arquitectónica do interesse público. Estranha forma esta de zelar pela qualidade baixando o nível de exigências profissionais requeridas para a sua prática. Como é que se pode defender uma Política Nacional de Arquitectura, como se refere, e bem, na proposta de PNPOT (9) que está em debate público, entregando a técnicos sem qualificação superior a quantidade de construção que a proposta do IMOPPI permite? Estamos perante um grave equívoco: a questão não é de mera regulação de mercado, matéria a que o IMOPPI tem sabido responder bem, mas de qualificação, conhecimento e rigor técnico e científico.

6. Para que servem as votações na Assembleia da República? Para que serviu o processo participativo que levou à aprovação unânime da Resolução nº 52/2003, de 22 de Maio e à votação na generalidade, também por unanimidade, do projecto de lei nº 183/X? O país vai continuar a ser retalhado por construções espalhadas pelo território sem qualquer qualidade ou exigência? O mais estranho é que o governo já legislou em sentido exactamente inverso, ao definir regulamentos altamente exigentes em matérias como acessibilidades, conforto e eficiência energética. Também no novo regime do arrendamento se reconhece a necessidade de arquitectos para tarefas de verificação da habitabilidade do parque habitacional. Não faz sentido exigir arquitectos por um lado e dispensá-los por outro. O problema português não se resolve baixando exigências e qualificações, mas sim elevando-as.

7. Enfim, tudo isto revela um total desconhecimento ou desinteresse pela arquitectura como fenómeno social, cultural e patrimonial. A proposta do IMOPPI, tal como está, seria um verdadeiro retrocesso em relação ao famigerado decreto 73/73. Viria tornar definitiva uma excepção que naquele diploma era apenas transitória. E iria desfigurar uma iniciativa de cidadãos cujo processo legislativo está em curso, ignorando deliberações já tomadas pela Assembleia da República. Assim, não.

8. Já apelámos ao governo para intervir no processo de forma a corrigir o que consideramos um erro trágico. Também nesta matéria é preciso que o governo tenha a coragem de não ceder aos interesses instalados em circuitos pouco exigentes e pouco transparentes de licenciamento das edificações, que minam a qualidade da construção civil e põem em causa a credibilidade do próprio Estado. Se temos o território no estado em que temos, tal também se deve à manutenção de um regime legal de qualificação profissional obsoleto e nefasto.

9. Cabe à Assembleia da República cumprir as regras que ela própria determinou. Iremos a partir de agora solicitar com urgência ao seu Presidente que promova o cumprimento da lei, agendando no mais breve prazo o nosso projecto para votação na especialidade e final global. Estamos disponíveis para melhorar o diploma que apresentámos. Mas não aceitaremos vê-lo desfigurado ou sistematicamente esquecido e adiado, em nome de interesses que nada têm a ver com a defesa e valorização do nosso território, da nossa paisagem e do nosso património edificado.

Pela Ordem dos Arquitectos
A Presidente
Helena Roseta

1 Projecto de lei nº 183/X “Arquitectura: um direito dos cidadãos, um acto próprio dos arquitectos (revogação parcial do decreto 73/73 de 28 de Fevereiro)”

2 Lei da iniciativa legislativa de cidadãos (Lei 17/2003, de 4 de Junho), art. 11º e 12º

3 Decreto-lei nº 176/98, de 3 de Julho, art. 42º

4 Directiva 85/384/CEE, de 10 de Junho

5 Directiva 2005/36/CE, de 7 de Setembro

6 Decreto-lei nº 74/2006, de 24 de Março

7 Artigo 66º da CRP

8 Resolução 2001/C73/04, de 12 de Fevereiro

9 Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, www.territorioportugal.pt


© OASRS 10/31/2006

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